terça-feira, 27 de março de 2012

Lá em Acarí




Flávio Aurélio havia começado a ouvir Funk a todo volume alguns meses antes desta história. Não sei como ele descobrira aquilo, mas recordo de suas palavras quando afirmava que um dia seria carioca e que iria viver no Rio de Janeiro.

Para deixar todo o seu sonho o mais realista possível, Flávio começou a usar anéis, largas correntes no pescoço, torcer pelo Flamengo e a vestir bermudas e camisas floridas. Sem que nós percebêssemos já estava ele puxando os “xis” nas suas frases do dia-dia.

“Bom dia! Como estão “voceixis”? Eu estou no puro “gaixis”! Não nego, era bem estranho, ainda mais ele sendo um garoto de apenas 11 anos.

Foi em janeiro de 1991, uma época de fortes chuvas e da maior enchente da cidade de Dom Silvério, que Flávio Aurélio fez história na antiga Rua do Campo.

Em um dia daquele mês eu acordei no inicio da manhã ao som da campainha da minha casa. Era a mãe do Flávio Aurélio, muito assustada porque a enchente havia tomado toda a sua residência. Teimoso, Flávio não quis sair de lá, preferindo ficar e tomar conta das coisas que restara.

Foi um dia assustador aquele. Havia tanta água na rua que tudo parecia um mar. Existiam muitas pessoas desabrigadas, a tempestade não passava e uma estranha música tocava alto se espalhando ao desespero de muitos.

“….É, sim! lá em Acarí! É, sim! lá em Acarí….” Quem poderia ouvir aquilo tão cedo? Em um dia de tanta tragédia?

Foi seguindo o som da música, caminhando pela forte chuva, que eu vi uma das coisas mais incríveis da minha infância. E eu não estou falando do grande oceano de água doce que havia aparecido do nada onde antes era o pasto de uma fazendola. Mas, sim, do Flávio Aurélio, nadando sozinho naquela enchente ao som do mais puro funk carioca.

Não vou relatar com detalhes, mas ele apanhou muito aquele dia. A mãe dele não conseguia entender o que passara na cabeça do filho para fazer tamanha loucura.  Você podia ter morrido, era o que ela dizia enquanto dava chineladas no coitado.

Foi até que em uma tarde, enquanto eu pescava sozinho no rio que passava atrás da minha casa, que eu fui entender o verdadeiro significado da natação do Flávio. Ele queria tornar-se um verdadeiro carioca, e para isto sabia que teria que fazer muito mais do que falar o “xis” ou usar bijuterias pelo corpo. Ele precisava de um mar.

Flávio Aurélio aproveitou a sua praia particular por quase uma hora e durante este tempo nada importava. Ele não percebia a mãe gritando, os vermes que pegava ou a água que bebia involuntariamente enquanto dava as suas braçadas. O que ele ouvia mesmo era o som das gaivotas, o barulho das ondas quebrando na areia e um bom funk tocando como trilha sonora.

Impressionante mesmo aconteceu quando eu recolhia a minha vara de anzol. Ao olhar para o lado direito de onde eu estava vi agarrado em um galho, um barco branco cheio de coisas dentro. Vi velas, espelho, pente e uma foto. Assustado eu fiquei quando vi que a pessoa na imagem era o Flávio Aurélio. Atrás da fotografia havia um agradecimento:

“Obrigado Iemanjá, espero outra como essa em breve. Ps: Se possível ao mandar a enchente, enviar também um master system, dinheiro e uma bicicleta bmx.

Abraços, FLÁVIO AURÉLIO”