quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O meu pai.



Seu pai é um cara legal, era o que eu mais ouvia dos meus colegas em Dom Silvério. Mas, quando menino, sempre esperei mais dele. Não que eu fosse uma criança exigente ou mimada, longe disso. Eu apenas queria um pai mais presente e infelizmente, isso ele não foi. Provo isso pelas poucas lembranças de minha infância brincando ao lado dele, sempre que me recordo de um natal ou de um jogo de futebol importante na escola, muitas pessoas vêm a minha mente, menos o meu pai.

É estranho não conhecer uma pessoa que passou 17 anos ao nosso lado. Não sei nada sobre meu pai e acredito que ele saiba bem menos de mim.

Por isso meu pai, acho que o senhor deveria saber que, quebrei meu dente da frente quatro vezes, toco violão e sou desafinado, dirigi seis filmes e dois fizeram sucesso em Dom Silvério, conheço outras línguas, sou bom motorista, jogo videogame até hoje, Anos Incríveis foi o meu seriado predileto, odeio queijo de minas, gosto de ir ao cinema, ainda ouço as músicas do Renato Teixeira e do Bob Dylan, nunca andei a cavalo, escrevi mais de doze músicas e uma já participou de festival, corri a volta da Pampulha 3 vezes, gosto de cheiro de terra molhada, fundei um time de futebol para poder ser titular, tento sempre me colocar no lugar do outro, fui péssimo em bolinhas de gude, sou doador de órgãos.

Adoro bolo de aniversário com guaraná, nunca quis ser médico, tive pedra nos rins e a dor é foda, sempre gostei mais de suco do que de refrigerante, sou bom em pescaria, odeio dormir em barracas, me formei em publicidade e propaganda, ainda lembro do primeiro tênis que você me deu, estou aprendendo uma arte marcial, descobri que pessoas da capital são completamente diferentes das que vem do interior, já mudei minha forma de ser por uma pessoa (foi uma grande tolice), frequento a academia quase todos os dias, filmes baseados em fatos reais são os meus prediletos, nunca usei cerol em pipa, sou bom na cozinha e não gosto mais de ir a Dom Silvério.

Continuo ruim de bola, conheço outros países, o Sérgio, Fabiano e Lucas ainda são os meus melhores amigos, gosto de política, já hipnotizei galinha com giz de cera, naveguei o rio de Dom Silvério sentado em uma boia gigante, odeio velório, leio livros biográficos, consegui realizar quase todos os meus sonhos de infância antes dos 30, já tive um aquário, vi o Hélio Costa no aeroporto, quero aprender a andar de patins, guardo em silêncio minhas conquistas e trabalhos voluntários, tive muitos porres de vinho vagabundo, gosto de mágica e ilusões, não sou muito bom em matemática, passei muitos trotes na rádio, ainda tento comer de três em três horas, Rick foi o meu melhor cachorro, sei falar em público e não tenho preguiça de trabalhar.

Quero ter filhos, o Natal sempre foi meu feriado predileto, o Burger King faz o meu hambúrguer predileto, a morte não me faz muito medo (mas a respeito), ainda vou trabalhar em um colégio, tive um bloco de carnaval e ele ficou em segundo lugar, o Superman sempre foi o melhor na liga da justiça, ainda tenho ciúmes das minhas irmãs, nunca fui de colar ou buscar as melhores notas, macarronada a bolonhesa com azeitona e o meu prato favorito, não sei esperar, busco um tempo para conversar com Nossa Senhora todos os dias, nunca doei sangue, sempre tento ir ver o nosso Fluminense jogando no Mineirão, as vezes sou orgulhoso, lavo os cabelos todos os dias, manga é a minha fruta predileta, sou completamente apaixonado pelo novo,  adoro ouvir histórias de pessoas que acabo de conhecer, aprendi a ser meu melhor amigo e por fim, sempre amei o senhor.

*Este texto eu escrevi e publiquei em 2008 em meu antigo blog. Infelizmente o meu pai veio a falecer, mas antes de ir, tivemos a grande chance de passar 3 meses juntos, falando da vida, dos sonhos, de planos e do passado. Não consegui dizer tudo que escrevi aí em cima, mas falei o que pude e achava necessário. E o mais importante é que eu tive a certeza do amor dele e, que ele sabia que eu sentia o mesmo.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Meu Atari.



Pedi meu primeiro videogame no natal de 1988. Era um Atari. Aporrinhei minha mãe e meu pai por um ano inteiro. Fiz promessas de estudar eternamente, de não brigar com minhas irmãs, de comer verdura no almoço e nunca, mas nunca mesmo, desobedecê-los.

A primeira vez que vi um Atari eu duvidei. Lembro-me que achei muito perfeito e extraordinário. Posso controlar tudo pelo controle? Eu não acreditava. Estava na casa do meu tio Gerson e meu primo Anderson jogava ENDURO. Ele não me ofereceu para jogar e eu com vergonha, também não pedi. Mas foi ali, que descobri o que queria de presente no final daquele ano.

Enquanto não tinha o videogame, eu passava horas jogando na casa do meu vizinho e amigo Lucas. Jogávamos muito HERO, SKI, PAC-MAN, TÊNIS, RIVER RAID e BOX. E a cada dia que passava, eu queria ter o meu próprio Atari. Eu sabia que amolava em ficar na casa do Lucas o dia inteiro e sempre usava esse argumento com minha mãe. Ela entendia.

Naquele natal, mesmo me esforçando bastante, não consegui ganhar o Atari. Fiquei chateado, mas entendi os motivos. Eu sabia que era caro e que talvez não o ganhasse. Sabia também, que minha mãe estava juntando dinheiro para reformar a casa e que meu pai, não estava tendo muito lucro com seu antigo açougue. Mesmo assim, eu havia mantido a minha esperança acessa. Sempre é bom ter esperança, mesmo que o queremos pareça impossível.

Não me lembro qual o presente substituiu o Atari naquele ano. Não que eu não tenha dado valor a ele, mas não era o que esperava. Mas, me lembro que no natal de 1989 meu pedido foi realizado. Ganhei meu Atari com o cartucho PAC-MAN. E ali, jogando tive um dos melhores dias da minha vida.

E percebi pela primeira vez, que as boas coisas da vida, sempre demoram mais tempo para chegar.


A música do dia. Sempre gostei dessa canção:

sábado, 17 de janeiro de 2009

Arrepios arrepiantes.




Desde pequeno, eu sempre tive muito medo de assombração. Sempre preferi acreditar que nada disto existe. Mesmo assim, torço que, nenhuma alma penada apareça para mim algum dia.

Para meu azar, em Dom Silvério existiam vários contos de fantasmas. E todos eles me davam arrepios e me faziam perder várias noites de sono. Eu sempre tentava evitá-los, mas, por se tratar de uma cidade pequena, todos eles se espalhavam muito rápido e chegavam rapidamente aos meus ouvidos. Mas, a coisa piorou de vez, quando a historia aconteceu em minha própria casa.

Era a semana do carnaval 1989. Minha mãe havia começado a última grande reforma de nossa antiga casa e por conta disso, ela, não conseguiu nos levar para passar o carnaval com a família de um primo dela, em Guaraparí, conforme prometido há ele meses antes.

Ficamos desolados, mas não havia mesmo possibilidades de deixarmos a casa em reforma e para provar que não era má vontade, minha mãe, prometeu que iríamos com toda a certeza no carnaval do próximo ano. Mesmo chateado, o primo entendeu e firmaram um acordo.

Por infelicidade do destino, o primo veio falecer meses antes do carnaval de 1990. E todos ficaram tristes com o ocorrido. Ele era muito querido e uma pessoa maravilhosa. Por conta disso, minha mãe preferiu passar o carnaval dentro de casa e decidiu não nos levar para a praia. Acatamos a sua decisão, mesmo porque, o carnaval em Dom Silvério era muito divertido. Assim, meu pai ficou responsável em nos acompanhar todas as noites para a praça da cidade.

Para não dizer que não passou o carnaval triste, minha mãe resolveu ver pela TV de seu quarto, o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. No meio de um desfile ela, diz:

_Primo, nós prometemos que passaríamos o carnaval juntos com nossas famílias esse ano. Sei e sinto que está aqui comigo, por isso, vou puxar a poltrona para perto da cama e você poderá sentar e ver os desfiles da TV comigo. Assim, fazemos companhia um para o outro.

Já era tarde, meu pai já não agüentava o pique dos seus três filhos e nos chamou para irmos embora. Depois de pestanejar um pouco e pedir mais alguns minutos, concordamos em ir.

Chegamos a nossa casa e ele nos colocou para trocar de roupa e escovar os dentes. Pai, vai ao quarto e logo volto para ver se já estão dormindo, disse ele.

Lembro-me apenas de um grito do meu pai. Seco e arrepiante. Após o próprio ligar a luz do quarto onde estava a minha mãe:

_Que homem é esse deitado na poltrona?

Minha mãe acorda assustada, nós corremos para o quarto deles e como era de se esperar, não havia homem algum deitado na poltrona próxima a cama. O único homem ali era o meu pai, parado frente à porta, pálido como eu nunca havia visto antes.

Por essa e por muitas outras, peço que, se morrer primeiro, não precisa vir me contar nada do outro mundo, de como é o além, suas belezas, confortos, dar conselhos ou previsões do meu futuro. Desde já agradeço.

Ouçam a música do dia, uma das minhas prediletas:

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A primeira do lado A.



Quando se tem cinco anos de idade, nada faz muito sentido. Mesmo, quando se ganha coisas que o fazem por si só. Me lembro de ganhar da minha mãe, um disco de vinil chamado A arca de Noé. Ele era verde e todo santo dia, eu o tocava no nosso antigo Phillips 3 em 1, para o meu deleite e de minhas irmãs.

Era bom cantar as músicas dos bichos e o mais rápido que pudemos, decoramos as letras. Até a voz do pato pateta, nós faziamos. O engraçado é que, eu sempre evitava uma canção. Não achava a menor graça na música que abria o disco. A primeira do lado A.

Quando chegava à noite, minha mãe, sempre nos ninava ao som de nosso disco predileto. Mas, mesmo sabendo de nosso gosto pela primeira canção do vinil, ela insistia em tocá-la.

Lembro que reclamávamos e ela sempre dizia que, todas as músicas são especiais quando ouvimos com o coração. Mesmo assim, queriamos sempre as músicas dos bichos.

Hoje, vinte e três anos após ganhar o disco, não o tenho mais. Ele se perdeu em nossas mudanças. Mas, carrego no coração, uma pedaço da letra que fazia parte de uma música daquele rodado vinil verde. Justamente da canção que eu sempre evitara. A primeira do lado A:

“... Afinal com muito custo
Em longa fila, aos casais
Uns com raiva, outros com susto
Vão saindo os animais.

Os maiores vêm à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida...”


Obrigado mãe, por me ensinar a usar o coração para conhecer as coisas da vida. E por me fazer entender, o quanto é importante dar valor, a todas as qualidades de uma pessoa. Ou de um disco. :)


Para quem quiser ver e ouvir a canção. Vale muito a pena:

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O dia que o meu saco cresceu.



Aos meus onze anos, peguei caxumba. Junto dela, vários avisos de como eu deveria me portar, para que ela não descesse para o meu saco. Lembro-me, que fiquei com medo e tentei ficar parado o máximo de tempo possível. E mesmo assim, todos os dias, minha avó me lembrava do perigo de não ficar quieto. Era traumatizante, acreditem.

Peguei caxumba bem no começo das férias de janeiro e da janela do meu antigo quarto, eu conseguia ouvir a criançada brincando na rua. Como era duro segurar-me. Mas, pelo bem do meu saco eu me resguardava.

É estranho como o tempo passa devagar quando estamos doentes. Os dias passavam lentamente e nada da minha quarentena acabar. Eu já me sentia bem, juro. Se eu fosse médico já teria me dado alta. Mas, minha mãe, não queria que eu me arriscasse e sempre me lembrava do problema que eu poderia adquirir, caso não ficasse de repouso.

Um belo dia, eu não agüentei. Faltavam apenas uma semana e nem remédio eu tomava mais, já estava curado! Eu tinha toda a certeza disso. Esperei a minha mãe ir para o quintal de nossa casa e pronto. Lá estava eu, na rua, correndo livre novamente. E como era bom poder brincar de novo.

Brinquei, como há muito tempo não brincava. Mas, sem algum porque a imagem da minha avó veio a minha cabeça e com ela a sua frase marcante, “fique quieto, para a caxumba não descer para o saco!” Minha boca ficou seca e sem perceber, já estava com a mão no meu "documento".

O desespero tomou conta. Esqueci da brincadeira e fui correndo para o banheiro. Tranquei a porta, tirei a calça e olho no bicho. E não é que eu achei que meu saco havia crescido? Não pensei duas vezes e gritei a minha mãe:

_ MÃE! MEU SACO CRESCEU!

Comecei a chorar, e a cada olhada para baixo eu o via maior. Vou virar uma aberração, pensava o tempo todo. A minha avó veio novamente a minha cabeça, agora ela sorria dizendo:

_ É isso que dá não obedecer aos mais velhos, agora a caxumba desceu!

Peguei a fazer promessa, chorar já não fazia mais sentido. Todos os nomes santos que vinham a minha cabeça, eu prometia algo. Fiz promessa até para Adão e Eva.

Foi até que minha mãe bateu na porta. E agora? Como vou mostrar isso a ela? Voltei a chorar. Chorando ainda, abri a porta. Ela examinou e disse que estava normal, que não precisaria ter medo. Assim mesmo, eu não quis arriscar, fiz outra quarentena por conta própria.

Realmente minha mãe tinha razão, a caxumba não desceu.

E aquele susto todo, me mostrou uma coisa muito importante. Que até os bem dotados, tem seus probleminhas de vez em quando.



Basta clicar no play para ouvir a música do dia. :)