quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Bereu.




Quando se é criança, você muitas vezes não dá o devido valor às pessoas que te rodeiam. Não digo aos seus pais ou parentes próximos, mas para pessoas que geralmente temos pouco contato, aquelas que você sabe que existe, sabe onde mora, mas que não procura conhecer melhor.

Bereu torcia pelo Flamengo e eu, para o Fluminense. Sempre quando descia a minha rua rumo à escola, ouvia daquele senhor gordinho e careca com palito entre os dentes, uma pequena saudação:

_ Ô Flamengo!

Eu simplesmente olhava para cima, para uma área cheia de gaiolas de passarinho e respondia:

_ Ê Fluminense.

É claro que quando o Fluminense perdia, eu tentava me esconder. Mas, era em vão, e a saudação nessa hora era seguida apenas de um, não tem mais jeito com o seu time.

Mas milagres também aconteciam em Dom Silvério e quando o Flu vencia, eu tentava inovar. Lembro-me que cheguei a fazer um desenho para ele, copiando o escudo do Fluminense de um velho LP do meu pai. Acordei cedo aquele dia, mais cedo que o Bereu e por debaixo da porta da casa dele, joguei a cartinha, com o mesmo dizer de sempre:

_ Ê Fluminense.

Esse foi o nosso diálogo por anos. Todos os dias, o Bereu estava lá, em sua área, cuidando dos pássaros e me saudando da mesma forma. E eu, simplesmente, dava a minha resposta costumeira.

Assim, tão rápido como as nossas saudações, Bereu se foi. Não consegui ir ao seu velório. Fiquei sabendo dias depois, eu já não morava em Dom Silvério.

Pensei por um tempo, que deveria ter o conhecido mais. Pensando, eu descobri que naquelas poucas palavras repetidas que trocávamos diariamente, existia uma boa amizade. E com ele aprendi que, para fazer amigos de verdade não é necessário falar muito, o que importa de fato são as palavras certas.

E mesmo sabendo que não vou ouvir nenhuma resposta por agora, não posso deixar de dizer:

_ Ê Fluminense.

sábado, 22 de agosto de 2009

A cartinha


Há mais de dez anos tive um desses fins de ano memoráveis, destes que não esquecemos jamais. Não me lembro dele por conta das festas, das bebidas ou das meninas que conhecemos e sim, porque foi a ultima vez que estive com um dos meus melhores amigos de infância.

Márcio Araujo era um cara bacana, muitas vezes perdido em pensamentos lançava se de pérolas históricas. E justamente por isso, ficar ao lado dele era motivo de risos o tempo todo.

Naquele fim de ano, eu, Márcio e Lucas, amantes da natureza e das mulheres, na época, os três solteiros, resolvemos nos aventurar com algumas meninas da terra.
Geralmente, sem explicação, as pessoas tendem a se afastar das outras, quando descobrem alguma paixão platônica. E foi justamente isso que o Lucas fez, ao receber uma cartinha de amor em nome da menina que ele havia beijado aquela noite, pela primeira vez. Cartinha essa, entregue pelo Márcio Araújo de madrugada.
Logo cedo, alguém bate em minha janela. Era o Lucas com a carta na mão. Desesperado o mesmo me disse que não sabia o que fazer com a situação. No canto, calado estava o Márcio apenas ouvindo tudo.

Depois de algumas horas pensando em como contornar a situação, o Lucas resolve procurar a garota. Como alguém pode se apaixonar por alguém em uma única noite? Não fico com essa menina nunca mais! A toda hora ele dizia.

Foi nessa hora que eu e o Márcio resolvemos dizer a verdade. Que a cartinha havia sido escrita por nós dois. Que era apenas um teste.

_ Ainda bem, assim eu posso ficar com ela esta noite novamente. Já exclamava o Lucas. E assim foi.

Nesse fim de ano, muitas outras histórias aconteceram e ele passou tão rápido que, quando percebemos, já era hora de irmos embora.
Cada um foi para um canto e o que sobrou foram às recordações e claro a cartinha, digitalizada pelo Lucas essa semana e envida para o meu email com cópia para o do Márcio, com os seguintes dizeres:

“Vocês lembram-se disso aqui?”

Lembro sim meus amigos. E sinto uma saudade danada de vocês dois.

P.s. A cartinha está em anexo.

sábado, 9 de maio de 2009

Meu primo Matheus.


Quando se é criança os primos tem grande valor. Eles geralmente tendem a ser bons amigos, não pedem emprestimos e seus pais sempre confiam neles.

Foi em 1990 que eu conheci o Matheus, filho da tia Anginha. Ele morava em Belo Horizonte e eu, ainda vivia em Dom Silvério. Ele foi com sua mãe passar uns dias em nossa casa. Ficamos amigos muito rápido e após vários acontecimentos com as meninas da cidade, Matheus se encontrou apaixonado, tomou um fora e voltou chorando para a capital.

Me mandou algumas cartas perguntando da menina, dizendo que estava malhando e que começaria a usar lentes de contato. Após três anos de paixão acumulada, Matheus resolve voltar a Dom Silvério e se declarar de vez.

Bom, na época, aos meus 13 anos, eu fiz uma poesia com a épica história que aconteceu com o Matheus em seu retorno a Dom Silvério em busca do seu amor. Peço apenas desculpas pelas rimas, eu ainda era muleque, mas é muito engraçado como consegui contar todos os acontecimentos vividos pelo meu primo.

Poema do amor perdido.

Desde de pequeno um estranho,
com o seus óculos a olhar;
Um dia foi à Dom Silvério,
e o destino o fez amar.

Foi-se embora um dia,
e de seu 1º amor não esqueceu;
Malhou por 3 anos seguidos,
até que a saudade o venceu.

Voltou muito mais forte,
e ninguém o reconheceu;
_ Que homem bem malhado! Diziam,
e ele nada respondeu.

Trazia em sua grande mente,
um único e simples pensamento.
Encontrar a sua bela amada,
e pedi-la em casamento.

Quando ele a encontrou,
o seu coração se partiu.
A sua amada tinha outro,
e junto dele o seu chão sumiu.

Começou a chorar de raiva,
dizendo não querer mais viver.
Matheus, mulher tem para todo lado,
basta não muito escolher.

Com essa frase linda,
uma flecha atravessa o céu.
Acertando o seu nobre coração,
deixando-o mais doce do que mel.

Com um sorriso de susto,
para a garota Mesmice ele olhou.
Deu uma de interessado,
e um pequeno anel ele comprou.

Depois de todo o "circo" armado,
para trás do palco com ela ele foi.
Pensou consigo mesmo:
_ Antes ser touro do que boi!

Com esse pensamento machista,
a garota Mesmice ele beijou.
_ "Foi o melhor garro dela!"
Depois ele espalhou.

Depois dos beijos dados,
para as nuvens foi flutuando.
Tome cuidado rapazinho,
você está se apaixonando.

Até que novamente um dia,
a vida doce passou.
Triste, sozinho e apaixonado,
para a sua terra ele voltou.

Eh meu primo,
a vida é muito dura;
Não tem rémedio para essa dor,
e ninguém quer achar a cura!

Fim



quarta-feira, 15 de abril de 2009

O Aniversário.



Uma das coisas mais difíceis de ter irmãos mais novos é que você nunca mais sabe o que é seu. Sempre tem alguém ali, tentando pegar o que pertence a você. Ou pelo menos, faz você dividir. Seu canto no sofá predileto, seus brinquedos, a comida do seu prato e muitas vezes a atenção dos seus pais.

É uma luta constante, travada quase sem violência e com muito amor. Travada com a melhor das intenções e aromatizada com chocolate.

A única época do ano que eu me sentia novamente o único filho da família, era a semana do meu aniversário. Nela, todos me entendiam e me mimavam da melhor forma possível. Não precisava estender os lençóis, tinha café da manhã na cama, podia perder alguns dias de aula sem fingir dor de garganta, as irmãs ficavam amáveis e eu, tinha a doce expectativa da minha mãe fazer o tradicional bolo de chocolate no dia 16 de abril.

De todos os aniversários que tive, o de 1987 é o que mais me recordo. Minha mãe estava na ultima semana de uma gravidez bastante complicada. Assim, esse aniversário não teve doce, não teve refrigerante, minha casa não ficou cheia de convidados e não ganhei muitos presentes. Mas, mesmo assim, tive o meu bolo de chocolate. Foi o mais simples de todos que já recebi, mas o único que até hoje lembro o gosto.

Neste aniversário, além do inesquecível bolo, recebi um presente especial, um aprendizado da minha mãe que, também nunca irei perder. Aprendi naquele dia, ao completar sete anos de idade que, todas as coisas importantes da vida, têm que ser feitas com carinho, independentemente de qual situação você se encontre.

Ali, segurando o meu revólver de plástico (presente da minha madrinha), ao lado de minha irmã e de meus dois primos, descobri que, uma boa festa, só existe quando ela é feita com amor. Amor e bolo de chocolate.

Feliz aniversário para mim.

terça-feira, 10 de março de 2009

A professora de Ciências.



Eu poderia ter evitado muitas coisas na minha infância. Muitas tristezas, muitos sonhos, corações partidos, pequenos milagres, alegrias e pessoas. Mas, sempre escolhi correr os riscos ou os corria, por não ter escolhas.

O meu único temor em 1991 eram as terríveis argüições orais de ciências, da professora Lelena Felix. Não que eu não gostasse da Lelena, pelo contrário, tinha grande admiração pelo seu conhecimento, mas responder duas perguntas todas as quintas para a sala toda ouvir, não era uma coisa que eu gostava de fazer.

Primeiro, porque eu nunca me senti bem ao ser pressionado em público. Segundo, tudo que eu deixava de estudar para a argüição, era perguntando para mim. Eu sabia a resposta de quase todos da sala, mas quando chegava à minha vez, juro, eu não tinha as respostas. Fato era que, eu sempre errava e muitas vezes, me sentia envergonhado ao fim.

Após me sair bem em suas provas bimestrais, Lelena me convidou para uma conversa no final de uma de suas aulas. Ela me olhou nos olhos e me perguntou:

_Samarone, você tem tirado boas notas em minhas provas, vejo que você se esforça nos trabalhos, mas ainda não entendo o porquê, de você não responder as minhas perguntas na argüição oral. Você já percebeu que eu sempre faço as mesmas duas perguntas desde o primeiro dia?

Lembro que fiquei calado, enquanto várias justificativas furadas vagavam em minha mente. Como eu não percebia o óbvio? Eram as mesmas perguntas sempre. E ela completou:

_Uma das coisas mais importantes que posso te ensinar é que, você escolhe o seu futuro. Seu destino depende de você e das suas escolhas. Talvez, ele venha a bater a sua porta por várias vezes. Talvez, não. Fique mais atendo a todas as perguntas, elas sempre te levam a um novo caminho. Um sim ou um não mudam toda uma história.

E na quinta seguinte, acertei as duas perguntas da argüição oral.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Meu irmão.


Sou o primeiro de três filhos. O único filho homem. Mesmo assim, tive um irmão logo quando fiz dois anos de idade. Ele não era filho de minha mãe e muito menos de meu pai. Ele se quer morava em nossa casa. Ele vivia do lado, na casa vizinha, de número 72.

Não me lembro da primeira vez que eu vi o Lucas, mas me lembro da primeira vez que eu o esgoelei, após ele não querer carregar umas almofadas, enquanto brincávamos de escravo e capataz. Eu sempre levei as brincadeiras a serio e ele começava a descobrir isso.

Aos seis anos de idade, ele começou a brincar com coisas mais elaboradas. Foi ele quem me mostrou que existiam parafusos em brinquedos e me apresentou chave de fenda. Perdi muitos carrinhos por conta dele. Bendita curiosidade.

Juntos, fizemos a primeira experiência com pilhas Duracel em uma cobaia humana que se tem noticia em Dom Silvério. Conseguimos, depois de muito penar, convencer um menino a lamber a parte interna e roxa da pilha. Descobri ali, o quanto a ciência é arriscada. Tomei a minha primeira surra, de milhares da minha mãe. Não sabíamos que a boca roxa do menino o levaria para o hospital.

Ele só tinha um problema, não gostava de futebol. Tentei muitas vezes, em vão, fazê-lo torcer pelo Fluminense. Mas, não deu certo. O Máximo que consegui foi fazer o Lucas decorar o hino do clube.

Crescemos, tomamos rumos diferentes na vida, mas brincamos muito juntos e por isso a toda hora que me lembro da minha infância, lá está o Lucas ao meu lado. Um irmão. Que pode não ser de sangue, mas é de coração.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O meu pai.



Seu pai é um cara legal, era o que eu mais ouvia dos meus colegas em Dom Silvério. Mas, quando menino, sempre esperei mais dele. Não que eu fosse uma criança exigente ou mimada, longe disso. Eu apenas queria um pai mais presente e infelizmente, isso ele não foi. Provo isso pelas poucas lembranças de minha infância brincando ao lado dele, sempre que me recordo de um natal ou de um jogo de futebol importante na escola, muitas pessoas vêm a minha mente, menos o meu pai.

É estranho não conhecer uma pessoa que passou 17 anos ao nosso lado. Não sei nada sobre meu pai e acredito que ele saiba bem menos de mim.

Por isso meu pai, acho que o senhor deveria saber que, quebrei meu dente da frente quatro vezes, toco violão e sou desafinado, dirigi seis filmes e dois fizeram sucesso em Dom Silvério, conheço outras línguas, sou bom motorista, jogo videogame até hoje, Anos Incríveis foi o meu seriado predileto, odeio queijo de minas, gosto de ir ao cinema, ainda ouço as músicas do Renato Teixeira e do Bob Dylan, nunca andei a cavalo, escrevi mais de doze músicas e uma já participou de festival, corri a volta da Pampulha 3 vezes, gosto de cheiro de terra molhada, fundei um time de futebol para poder ser titular, tento sempre me colocar no lugar do outro, fui péssimo em bolinhas de gude, sou doador de órgãos.

Adoro bolo de aniversário com guaraná, nunca quis ser médico, tive pedra nos rins e a dor é foda, sempre gostei mais de suco do que de refrigerante, sou bom em pescaria, odeio dormir em barracas, me formei em publicidade e propaganda, ainda lembro do primeiro tênis que você me deu, estou aprendendo uma arte marcial, descobri que pessoas da capital são completamente diferentes das que vem do interior, já mudei minha forma de ser por uma pessoa (foi uma grande tolice), frequento a academia quase todos os dias, filmes baseados em fatos reais são os meus prediletos, nunca usei cerol em pipa, sou bom na cozinha e não gosto mais de ir a Dom Silvério.

Continuo ruim de bola, conheço outros países, o Sérgio, Fabiano e Lucas ainda são os meus melhores amigos, gosto de política, já hipnotizei galinha com giz de cera, naveguei o rio de Dom Silvério sentado em uma boia gigante, odeio velório, leio livros biográficos, consegui realizar quase todos os meus sonhos de infância antes dos 30, já tive um aquário, vi o Hélio Costa no aeroporto, quero aprender a andar de patins, guardo em silêncio minhas conquistas e trabalhos voluntários, tive muitos porres de vinho vagabundo, gosto de mágica e ilusões, não sou muito bom em matemática, passei muitos trotes na rádio, ainda tento comer de três em três horas, Rick foi o meu melhor cachorro, sei falar em público e não tenho preguiça de trabalhar.

Quero ter filhos, o Natal sempre foi meu feriado predileto, o Burger King faz o meu hambúrguer predileto, a morte não me faz muito medo (mas a respeito), ainda vou trabalhar em um colégio, tive um bloco de carnaval e ele ficou em segundo lugar, o Superman sempre foi o melhor na liga da justiça, ainda tenho ciúmes das minhas irmãs, nunca fui de colar ou buscar as melhores notas, macarronada a bolonhesa com azeitona e o meu prato favorito, não sei esperar, busco um tempo para conversar com Nossa Senhora todos os dias, nunca doei sangue, sempre tento ir ver o nosso Fluminense jogando no Mineirão, as vezes sou orgulhoso, lavo os cabelos todos os dias, manga é a minha fruta predileta, sou completamente apaixonado pelo novo,  adoro ouvir histórias de pessoas que acabo de conhecer, aprendi a ser meu melhor amigo e por fim, sempre amei o senhor.

*Este texto eu escrevi e publiquei em 2008 em meu antigo blog. Infelizmente o meu pai veio a falecer, mas antes de ir, tivemos a grande chance de passar 3 meses juntos, falando da vida, dos sonhos, de planos e do passado. Não consegui dizer tudo que escrevi aí em cima, mas falei o que pude e achava necessário. E o mais importante é que eu tive a certeza do amor dele e, que ele sabia que eu sentia o mesmo.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Meu Atari.



Pedi meu primeiro videogame no natal de 1988. Era um Atari. Aporrinhei minha mãe e meu pai por um ano inteiro. Fiz promessas de estudar eternamente, de não brigar com minhas irmãs, de comer verdura no almoço e nunca, mas nunca mesmo, desobedecê-los.

A primeira vez que vi um Atari eu duvidei. Lembro-me que achei muito perfeito e extraordinário. Posso controlar tudo pelo controle? Eu não acreditava. Estava na casa do meu tio Gerson e meu primo Anderson jogava ENDURO. Ele não me ofereceu para jogar e eu com vergonha, também não pedi. Mas foi ali, que descobri o que queria de presente no final daquele ano.

Enquanto não tinha o videogame, eu passava horas jogando na casa do meu vizinho e amigo Lucas. Jogávamos muito HERO, SKI, PAC-MAN, TÊNIS, RIVER RAID e BOX. E a cada dia que passava, eu queria ter o meu próprio Atari. Eu sabia que amolava em ficar na casa do Lucas o dia inteiro e sempre usava esse argumento com minha mãe. Ela entendia.

Naquele natal, mesmo me esforçando bastante, não consegui ganhar o Atari. Fiquei chateado, mas entendi os motivos. Eu sabia que era caro e que talvez não o ganhasse. Sabia também, que minha mãe estava juntando dinheiro para reformar a casa e que meu pai, não estava tendo muito lucro com seu antigo açougue. Mesmo assim, eu havia mantido a minha esperança acessa. Sempre é bom ter esperança, mesmo que o queremos pareça impossível.

Não me lembro qual o presente substituiu o Atari naquele ano. Não que eu não tenha dado valor a ele, mas não era o que esperava. Mas, me lembro que no natal de 1989 meu pedido foi realizado. Ganhei meu Atari com o cartucho PAC-MAN. E ali, jogando tive um dos melhores dias da minha vida.

E percebi pela primeira vez, que as boas coisas da vida, sempre demoram mais tempo para chegar.


A música do dia. Sempre gostei dessa canção:

sábado, 17 de janeiro de 2009

Arrepios arrepiantes.




Desde pequeno, eu sempre tive muito medo de assombração. Sempre preferi acreditar que nada disto existe. Mesmo assim, torço que, nenhuma alma penada apareça para mim algum dia.

Para meu azar, em Dom Silvério existiam vários contos de fantasmas. E todos eles me davam arrepios e me faziam perder várias noites de sono. Eu sempre tentava evitá-los, mas, por se tratar de uma cidade pequena, todos eles se espalhavam muito rápido e chegavam rapidamente aos meus ouvidos. Mas, a coisa piorou de vez, quando a historia aconteceu em minha própria casa.

Era a semana do carnaval 1989. Minha mãe havia começado a última grande reforma de nossa antiga casa e por conta disso, ela, não conseguiu nos levar para passar o carnaval com a família de um primo dela, em Guaraparí, conforme prometido há ele meses antes.

Ficamos desolados, mas não havia mesmo possibilidades de deixarmos a casa em reforma e para provar que não era má vontade, minha mãe, prometeu que iríamos com toda a certeza no carnaval do próximo ano. Mesmo chateado, o primo entendeu e firmaram um acordo.

Por infelicidade do destino, o primo veio falecer meses antes do carnaval de 1990. E todos ficaram tristes com o ocorrido. Ele era muito querido e uma pessoa maravilhosa. Por conta disso, minha mãe preferiu passar o carnaval dentro de casa e decidiu não nos levar para a praia. Acatamos a sua decisão, mesmo porque, o carnaval em Dom Silvério era muito divertido. Assim, meu pai ficou responsável em nos acompanhar todas as noites para a praça da cidade.

Para não dizer que não passou o carnaval triste, minha mãe resolveu ver pela TV de seu quarto, o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. No meio de um desfile ela, diz:

_Primo, nós prometemos que passaríamos o carnaval juntos com nossas famílias esse ano. Sei e sinto que está aqui comigo, por isso, vou puxar a poltrona para perto da cama e você poderá sentar e ver os desfiles da TV comigo. Assim, fazemos companhia um para o outro.

Já era tarde, meu pai já não agüentava o pique dos seus três filhos e nos chamou para irmos embora. Depois de pestanejar um pouco e pedir mais alguns minutos, concordamos em ir.

Chegamos a nossa casa e ele nos colocou para trocar de roupa e escovar os dentes. Pai, vai ao quarto e logo volto para ver se já estão dormindo, disse ele.

Lembro-me apenas de um grito do meu pai. Seco e arrepiante. Após o próprio ligar a luz do quarto onde estava a minha mãe:

_Que homem é esse deitado na poltrona?

Minha mãe acorda assustada, nós corremos para o quarto deles e como era de se esperar, não havia homem algum deitado na poltrona próxima a cama. O único homem ali era o meu pai, parado frente à porta, pálido como eu nunca havia visto antes.

Por essa e por muitas outras, peço que, se morrer primeiro, não precisa vir me contar nada do outro mundo, de como é o além, suas belezas, confortos, dar conselhos ou previsões do meu futuro. Desde já agradeço.

Ouçam a música do dia, uma das minhas prediletas:

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A primeira do lado A.



Quando se tem cinco anos de idade, nada faz muito sentido. Mesmo, quando se ganha coisas que o fazem por si só. Me lembro de ganhar da minha mãe, um disco de vinil chamado A arca de Noé. Ele era verde e todo santo dia, eu o tocava no nosso antigo Phillips 3 em 1, para o meu deleite e de minhas irmãs.

Era bom cantar as músicas dos bichos e o mais rápido que pudemos, decoramos as letras. Até a voz do pato pateta, nós faziamos. O engraçado é que, eu sempre evitava uma canção. Não achava a menor graça na música que abria o disco. A primeira do lado A.

Quando chegava à noite, minha mãe, sempre nos ninava ao som de nosso disco predileto. Mas, mesmo sabendo de nosso gosto pela primeira canção do vinil, ela insistia em tocá-la.

Lembro que reclamávamos e ela sempre dizia que, todas as músicas são especiais quando ouvimos com o coração. Mesmo assim, queriamos sempre as músicas dos bichos.

Hoje, vinte e três anos após ganhar o disco, não o tenho mais. Ele se perdeu em nossas mudanças. Mas, carrego no coração, uma pedaço da letra que fazia parte de uma música daquele rodado vinil verde. Justamente da canção que eu sempre evitara. A primeira do lado A:

“... Afinal com muito custo
Em longa fila, aos casais
Uns com raiva, outros com susto
Vão saindo os animais.

Os maiores vêm à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida...”


Obrigado mãe, por me ensinar a usar o coração para conhecer as coisas da vida. E por me fazer entender, o quanto é importante dar valor, a todas as qualidades de uma pessoa. Ou de um disco. :)


Para quem quiser ver e ouvir a canção. Vale muito a pena:

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O dia que o meu saco cresceu.



Aos meus onze anos, peguei caxumba. Junto dela, vários avisos de como eu deveria me portar, para que ela não descesse para o meu saco. Lembro-me, que fiquei com medo e tentei ficar parado o máximo de tempo possível. E mesmo assim, todos os dias, minha avó me lembrava do perigo de não ficar quieto. Era traumatizante, acreditem.

Peguei caxumba bem no começo das férias de janeiro e da janela do meu antigo quarto, eu conseguia ouvir a criançada brincando na rua. Como era duro segurar-me. Mas, pelo bem do meu saco eu me resguardava.

É estranho como o tempo passa devagar quando estamos doentes. Os dias passavam lentamente e nada da minha quarentena acabar. Eu já me sentia bem, juro. Se eu fosse médico já teria me dado alta. Mas, minha mãe, não queria que eu me arriscasse e sempre me lembrava do problema que eu poderia adquirir, caso não ficasse de repouso.

Um belo dia, eu não agüentei. Faltavam apenas uma semana e nem remédio eu tomava mais, já estava curado! Eu tinha toda a certeza disso. Esperei a minha mãe ir para o quintal de nossa casa e pronto. Lá estava eu, na rua, correndo livre novamente. E como era bom poder brincar de novo.

Brinquei, como há muito tempo não brincava. Mas, sem algum porque a imagem da minha avó veio a minha cabeça e com ela a sua frase marcante, “fique quieto, para a caxumba não descer para o saco!” Minha boca ficou seca e sem perceber, já estava com a mão no meu "documento".

O desespero tomou conta. Esqueci da brincadeira e fui correndo para o banheiro. Tranquei a porta, tirei a calça e olho no bicho. E não é que eu achei que meu saco havia crescido? Não pensei duas vezes e gritei a minha mãe:

_ MÃE! MEU SACO CRESCEU!

Comecei a chorar, e a cada olhada para baixo eu o via maior. Vou virar uma aberração, pensava o tempo todo. A minha avó veio novamente a minha cabeça, agora ela sorria dizendo:

_ É isso que dá não obedecer aos mais velhos, agora a caxumba desceu!

Peguei a fazer promessa, chorar já não fazia mais sentido. Todos os nomes santos que vinham a minha cabeça, eu prometia algo. Fiz promessa até para Adão e Eva.

Foi até que minha mãe bateu na porta. E agora? Como vou mostrar isso a ela? Voltei a chorar. Chorando ainda, abri a porta. Ela examinou e disse que estava normal, que não precisaria ter medo. Assim mesmo, eu não quis arriscar, fiz outra quarentena por conta própria.

Realmente minha mãe tinha razão, a caxumba não desceu.

E aquele susto todo, me mostrou uma coisa muito importante. Que até os bem dotados, tem seus probleminhas de vez em quando.



Basta clicar no play para ouvir a música do dia. :)